Jornal inglês cita genocídio indígena em MS e ilustra com acampamento em Dourados

  • André Bento
Acampamento improvisado às margens da BR-463 foi retratado na reportagem publicada hoje pelo jornal inglês The... (Lunae Parracho/Reuters)
Acampamento improvisado às margens da BR-463 foi retratado na reportagem publicada hoje pelo jornal inglês The... (Lunae Parracho/Reuters)

Um dos principais e mais influentes veículos de comunicação do mundo, o jornal inglês The Guardian publicou nesta quarta-feira (18) uma reportagem na qual Mato Grosso do Sul é apontado como palco de um genocídio indígena. Assinada pelo editor de meio ambiente John Vidal, a publicação é ilustrada com imagens e personagens índios que vivem num acampamento improvisado em Dourados, às margens da BR-463, que liga o município a Ponta Porã.

A reportagem aponta a ocorrência frequente de suicídios entre índios guaranis e elenca a perda de terras ancestrais como motivo. Com base no depoimento do indígena Tonico Benites Guarani, citado como antropólogo e líder do acampamento Apy Ka'y, montado em 2009 às margens da rodovia federal que liga Dourados a Ponta Porã, a publicação fala em ataques de pistoleiros e omissão da Justiça, além de preconceito contra comunidades tradicionais em todo o Estado.

A fotos que ilustram a matéria foram todas feitas em Dourados. Além de uma mulher indígena com o filho no colo dentro de um improvisado barraco às margens da BR-463 – no acampamento onde vivem 150 pessoas -, são retratados Tonico Benites e uma plantação descrita como de cana que, segundo a publicação, incide sobre território reivindicado pelos guaranis. 

Para ler a reportagem do The Guardian no site do jornal basta clicar aqui. Abaixo você pode conferir a publicação traduzida na íntegra.

Reprodução
Reportagem publicada hoje pelo jornal inglês The Guardian retrata situação indígena em MS

Leia a matéria do The Guardian traduzida na íntegra:

Índios Guaranis brasileiros estão suicidando por conta da perda das terras de seus ancestrais

A pequena comunidade Apy Ka’y de aproximadamente 150 índios Guaranis tem vivido na miséria às margens da BR 463 no Sul do Brasil desde 2009. Desde então, eles já foram expulsos três vezes por homens armados, seus barracos foram queimados duas vezes por incendiários e três jovens do grupo suicidaram.

Todas as vezes em que foram intimidados, eles retornaram e reocuparam o seu último pedaço de terra, mas no mês passado um juiz brasileiro ordenou a saída permanente da comunidade APy Ka’y das terras que foram suas por centenas de anos e que foram tomadas sem compensação por ricos produtores rurais nos anos 1970.

“Será uma sentença de morte”, diz o antropologista e líder indígena Tonico Benites Guarani, que estima que mais de 1000 guaranis, em sua maioria jovens, tiraram a própria vida nos últimos dez anos em todo o Brasil – centenas de vezes maior que a média brasileira de suicídios, e maior que todos os outros povos indígenas da América Latina.

É tamanho o desespero e a desesperança da tribo, que perdeu 95% das terras de seus ancestrais para a produção em escala industrial de biocombustíveis, cana-de-açúcar e plantações de soja, que o número de suicídios pode ser muito maior, diz Tonico.

“Muitos jovens Guaranis cometem suicídio. Acontece aproximadamente um por semana. Chega uma hora que você se cansa de esperar [por mudanças]. Você se enche de esperança, e os tribunais acabam com ela. A sua família sofre com fome e desnutrição, o desespero aumenta, não há segurança, você não está certo de que a vida está melhorando. Isso é muito triste”, diz ele.

Como pai e líder comunitário, Tonico diz que entende e se preocupa com as crianças. “O desespero aumenta a cada dia. Como você pode planejar a vida assim? Como você pode ser livre desta forma? A perda da terra nos deixa vulneráveis. Nos tornamos mendigos. ”

Números oficiais sugerem que haja aproximadamente 47 mil Guaranis no Brasil e outros poucos milhares no Paraguai e na Argentina. Eles têm sua própria língua, crenças e cultura, mas a maioria, diz o grupo de direitos humanos Survival International (Sobrevivência Internacional, em tradução livre), está sendo empurrada para pequenas áreas cercadas por fazendas de pecuaristas e vastas plantações de soja e cana-de-açúcar.

Muitos têm sido levados a pequenas reservas, outros como o grupo Apy Ka’y perto de Dourados, no estado de Mato Grosso do Sul, não têm terra alguma e vivem às margens de rodovias.

“Um lento genocídio está acontecendo. Há uma guerra sendo travada contra nós. Estamos com medo. Eles matam nossos líderes, escondem os corpos, nos intimidam e ameaçam. Eu, também, muitas vezes. No mês passado me telefonaram e me alertaram que haveria consequências se eu continuasse mostrando um vídeo sobre os Guaranis a políticos”, disse Tonico, que passou um mês na Europa buscando apoio político.

A raiz do problema é a perda da terra, diz ele. “Estamos sempre lutando pela nossa terra. A nossa cultura não permite violência, mas os fazendeiros nos matarão ao invés de devolver o que é nosso. Os fazendeiros chegaram e nos expulsaram. A terra é de boa qualidade, com rios e floresta. Agora ela é muito valiosa. Os guaranis viveram ali por centenas de anos e nunca sofremos. Tínhamos 4 milhões de hectares, agora temos 200 mil.”

Despejos brutais têm acontecido continuamente ao longo de mais de 20 anos com fazendeiros contratando jagunços, a polícia e o exército trazendo tanques e helicópteros e a justiça quase sempre do lado dos ricos fazendeiros, de acordo com a Survival International.

“A única escolha dos nossos jovens é trabalhar por salários de miséria em condições atrozes nas plantações de cana-de-açúcar. Os nossos jovens não têm opção a não ser o trabalho degradante. ”

“Sofremos racismo e discriminação. Até 1988 povos indígenas no Brasil não eram considerados seres humanos pela constituição. Isso gerou racismo e preconceito. Ela sugeria que índios poderiam ser mortos, eram um alvo livre.”

Apesar dessa história de opressão e mortes, os Guaranis têm mantido o seu orgulho e cultura, e esperam recuperar a sua terra.

“Mas se nada mudar”, diz Tonico, “muitos outros jovens se matarão, e outros tantos morrerão de desnutrição. A impunidade dos fazendeiros continuará e o governo brasileiro poderá continuar nos matando. Daqui a dez anos estaremos à beira da extinção.

 

  • Tradução: Murilo Eloz de Melo

Dare To Learn Idiomas – aulas de inglês, espanhol e italiano

Rua Ipiranga, 1480, BNH III Plano – Dourados MS

Tel: (67) 3032 6865 ou (67) 9844 2924

Comentários
Os comentários ofensivos, obscenos, que vão contra a lei ou que não contenha identificação não serão publicados.