Mulheres da Reserva Indígena de Dourados relatam perseguição e ameaças de morte por falarem sobre abusos

Desabafo ocorreu no lançamento do “Zap Denúncia da Defensoria Pública de MS” que, a partir de agora, receberá via WhatsApp os casos de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes

  • Redação com Defensoria Pública MS
Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS
Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS

Em súplica unânime, mulheres das Aldeias Bororó e Jaguapiru, situadas em Dourados, pediram o fim da relação "estupro X cultura indígena" criada pela sociedade e reforçada pela mídia. O desabafo ocorreu durante o lançamento do “Zap Denúncia da Defensoria Pública de MS” que, a partir de agora, receberá via WhatsApp os casos de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes nas comunidades.

O evento aconteceu no Cras da Aldeia Bororó e recebeu lideranças indígenas, representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Prefeitura de Dourados, de escolas e entidade religiosas.

Na abertura do evento, a coordenadora do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (Nupiir), defensora pública de Segunda Instância Neyla Ferreira Mendes, apresentou o grupo de mulheres indígenas que faz parte da iniciativa do “Zap Denúncia” e reforçou o pedido para que diretores de escola e pastores da comunidade liberem o Wi-Fi de suas unidades, por minutos que sejam ao dia, para que mulheres, meninas e adolescentes possam denunciar.

"São essas mulheres que estão aqui, e muitas outras que neste momento estão trabalhando, que quando procuram a Defensoria Pública para relatar algum caso de violência ou abuso sexual são perseguidas e ameaçadas de morte. Nós, da Defensoria Pública, estamos aqui para dizer que se você, indígena de MS, denunciar (seja em Guarani, Terena, Guató ou em qualquer língua), nós vamos levar a informação para as autoridades competentes e trabalhar para que a rede de proteção alcance essas crianças e adolescentes".

A coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Nudeca), Débora de Souza Paulino, reforçou a importância da proteção da infância de forma geral. "A Defensoria, atua, acima de tudo, na defesa das crianças e adolescentes. Precisamos protegê-los para que esses crimes parem de acontecer e essas crianças tenham uma infância saudável e feliz".

À frente do atendimento à mulher em Dourados (Nudem), a defensora pública Inês Batisti Dantas Vieira destacou que a Instituição está à disposição de todas as indígenas do Estado.

“Como muitas mulheres já sabem, a Defensoria sempre esteve disposta a ouvi-las e hoje é um momento importante”.

A professora Maria Regina, que mora na Aldeia Bororó e faz parte do grupo que pediu a criação de um canal de denúncias, admitiu que mesmo com toda a perseguição, o apoio da Defensoria deu coragem às mulheres da comunidade.

"Vemos na escola, eles (crianças e adolescentes) pedindo socorro. Mas socorro para quem? A Defensoria apareceu e tivemos coragem, mesmo com as ameaças. Aqui sofremos todas as formas de violência. Então ver o lançamento desse canal denúncia é algo que nos emociona", disse a professora.

Em uma fala emotiva e resistente, a antropóloga Jaqueline Gonçalves, ex-moradora da Aldeia Bororó e pioneira na luta contra os abusos, conta que precisou deixar a comunidade após ameaças de morte e invasões à sua casa.

"Hoje assisto as companheiras que continuaram a luta. Eu saí dessa comunidade, justamente, por lutar contra essa violência. Quando invadiram minha casa por quatro vezes seguidas, e minha filha era pequena, tive que sair correndo. Mas agora estou terminado antropologia e iniciarei o doutorado em Direitos humanos para cuidar da minha comunidade. Acompanhamos o caso Raissa, denunciamos em Brasília e as companheiras da ONU estudam como trabalhar isso no MS. Agora o que não pode continuar é a imprensa reforçar que o estupro faz parte da cultura. Ninguém pede para ser estuprada, as crianças que estão aqui não pedem para serem estupradas", protestou Jaqueline.

Representando as mulheres da Aldeia Jaguapiru, a professora Cristiane reitera que as vozes das mulheres não podem mais ser silenciadas.

"Nós somos uma voz que, por muitos anos, vem sendo silenciada. Muitas de nossas parentes não existem mais, pois tiveram suas vidas ceifadas. Quero lembrar de Corina Carreira, brutalmente assassinada. Um crime que até hoje não foi resolvido. Estamos aqui enquanto professores, indígenas e mães preocupadas com a nossa comunidade. Estamos buscando colocar em prática o Direito à consulta, pois temos de ser consultadas sobre tudo que ocorre aqui. A Raissa é uma das muitas. E eu já avisei minha família, que se eu me for, eles terão de continuar a minha voz", pontuou a professora.

Atendimento Móvel – Junto ao lançamento do Disque Denúncia, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul levou mais uma vez o atendimento móvel com a Van dos Direitos.

Das 8h às 15h, 120 homens e mulheres indígenas foram atendidos por defensoras e defensores públicos, assessoras e assessores.

Além de casamentos, pedidos de guarda e boletins de ocorrência, o Nupiir realizou a entrega de dezenas de CPFs, Registros Gerais e Certidões de Nascimentos que haviam sido solicitados em atendimentos anteriores.

Seguindo as normas de biossegurança, senhas e máscaras foram distribuídas, além da disponibilização de álcool em gel.

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