Promotores flagram caos no Hospital da Vida e não descartam intervenção judicial
Vistoria realizada na unidade hospitalar durante a noite de 30 de agosto resultou em documento que aponta série de problemas críticos
Falta de materiais básicos como medicamentos indispensáveis, número insuficiente de profissionais para atender, pacientes nos corredores e outros locais insalubres, além de sala de Raio-X sem isolamento adequado para conter a radiação. Isso é parte do caos constatado no Hospital da Vida, em Dourados, durante vistoria coordenada pelo MPE-MS (Ministério Público Estadual).
Diante de todos os problemas flagrados na noite de 30 de agosto, os promotores Etéocles Brito Mendonça Dias Junior e Ricardo Rotunno não descartam ingressar com ação coletiva, com pedido de intervenção judicial na Funsaud (Fundação dos Serviços de Saúde de Dourados), que administra a unidade hospitalar desde 2014, quando foi criada.
Os titulares das 10ª e 16ª Promotorias de Justiça da comarca iniciaram a vistoria às 20h10 daquela quinta-feira, um dia após a publicação, pela 94FM, da entrevista com o presidente do Coren-MS (Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul), Sebastião Júnior Henrique Duarte, que relatou a situação crítica que a saúde do município vem enfrentando, especificamente, o Hospital da Vida.
De acordo com o Relatório de Constatação ao qual teve acesso a reportagem, logo no início das diligências, acompanhadas também pela advogada Shirley Manzepe, da Comissão de Saúde da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelo perito do Ministério Público do Trabalho Luiz Carlos Luz, além de representantes do Coren-MS, irregularidades foram vistas.
“Iniciadas as diligências, nos dirigimos à área verde, sendo localizados 9 pacientes alojados em corredor, sem quaisquer condições minimamente adequadas para atendimento humanizado”, detalha o documento do MPE. Nos 15 minutos que permaneceram ali, as autoridades não detectaram “nenhum profissional de enfermagem prestando atendimento”.
Uma paciente estava há cinco dias no corredor da área verde, diagnosticada com pancreatite aguda, doença cujo hospital referenciado para atendimento é o HU-UFGD. Outras duas, que necessitariam de leito com grade, estavam em macas simples.
“Em seguida, adentrando na sala da área verde, a enfermeira responsável pelo local informou a falta de materiais básicos para o trabalho diário, como fitas de glicemia e antibióticos. Esclareceu que os banhos nos pacientes são dados no próprio leito e, geralmente, no período da manhã. Informou a existência de um único banheiro disponível para a área vermelha e verde, o qual, conforme fotos abaixo, encontra-se sem nenhuma condição de uso e salubridade. Sem sequer área de isolamento para banho”, consta no documento anexado ao Inquérito Civil Público número 06.2016.00000437-0.
Ainda na área verde, os promotores verificaram um paciente que deveria estar isolado, “internado de forma improvisada e inadequada à sua patologia (osteomielite), num espaço, que, aparentemente, seria de uma lavanderia”.
“Após, dirigimo-nos até a área vermelha, onde a situação de falta de materiais é alarmante. No momento, havia em na sala três pacientes, sendo que a enfermeira responsável informou que a média é a presença de 10 pacientes no local”, detalha o relatório. Essa profissional disponibilizou vídeo gravado recentemente em que se verifica superlotação do setor.
“O armário em que ficam armazenados materiais esterilizados está totalmente enferrujado, sem condições minimamente apropriadas para sua finalidade”, pontua o MPE. E a enfermeira também detalhou falta de fita de glicemia.
“Destacou-se, ainda, o barulho dos respiradores, uma vez que os mesmos não possuem manutenção preventiva, tampouco corretiva, o que revela situação totalmente insalubre aos profissionais que atuam na área, bem como inóspito ao paciente”, prossegue o documento. Falta de colchonete, “materiais básicos como algodão, medicamentos indispensáveis como Clexane (anticoagulante), e Antac, bomba de infusão (existem duas, muito pouco), respirador, copo de aspiração e Umidificador”, foram outros problemas encontrados.
A vistoria apurou ainda uso de copos de aspiração em todos os pacientes, porque não há material para troca. “Isso é totalmente inadequado, viola protocolos hospitalares e possibilita a transmissão de infecções”, destaca o MPE.
Para chegar à ouvidoria do hospital, os promotores constaram um labirinto e no momento da inspeção a porta estava trancada, sem sequer telefone para contato ou horário de funcionamento.
Na área amarela, pacientes no corredor. Uma mulher que teria sofrido acidente de motocicleta e chegou ao hospital às 6h, até aquele horário, 21h30. Só havia sido submetida a exame de Raio-X, sem qualquer consulta médica. A porta da sala de Raio-X, por sinal, não possui parede de chumbo, o que coloca em risco profissionais e pacientes por causa da radiação, segundo membros do Coren-MS.
Na área amarela havia dois técnicos para aproximadamente cinco pacientes. Alguns deles mencionaram que já chegaram a vivenciar a presença simultânea de quatro pacientes de isolamento de contato em uma mesma sala.
Nas enfermarias, havia 21 pacientes atendidos por uma enfermeira e cinco técnicos de enfermagem. Os promotores de Justiça apuraram que nas folgas esses profissionais não têm cobertura. Na enfermaria feminina, faltam fraldas, e familiares de pacientes têm que levar cobertores, travesseiros e até toalha de banho.
“A unidade apresenta estrutura material e humana muito aquém do necessário para atender minimamente a demanda atual de Dourados/MS e macrorregião respectiva, e necessita, urgentemente, reverter todas as deficiências mencionadas ao longo do texto, eis que o direito à saúde é um direito fundamental, sendo consequência constitucional indissociável do direito à vida com dignidade. Eventual perpetuação da situação atual por médio ou longo prazo pode não dar margem a outra solução, senão a propositura de ação coletiva, com pedido de intervenção judicial na entidade fundacional administradora do Hospital, perante o juízo competente”, concluem os promotores.