Dinheiro do BNDES financia até quem tem ação trabalhista

Legalidade. BNDES diz que trabalha para aperfeiçoar suas práticas socioambientais para dar empréstimo (ALE SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO - 28.01.2015)
Legalidade. BNDES diz que trabalha para aperfeiçoar suas práticas socioambientais para dar empréstimo (ALE SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO - 28.01.2015)

O fato de desrespeitar constantemente as leis trabalhistas não impede uma empresa de receber financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), mesmo sendo o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) uma das principais fontes de recurso da instituição. Atualmente, 22,6% dos recursos do BNDES vieram do FAT e, conforme previsto constitucionalmente, 40% do Fundo é destinado ao banco estatal.

Para se ter uma ideia, nos últimos 13 anos as 18 empresas com maior número de processos trabalhistas contra elas protocolados em 2014 no Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT 3ª Região) receberam mais de R$ 59 bilhões em financiamentos do BNDES.

“Não se trata de um problema de legalidade, é absolutamente legal realizar esses financiamentos. É um problema de legitimidade. É o dinheiro de um Fundo dirigido ao trabalhador financiando empresas que descumprem a lei trabalhista”, avalia o coordenador do Núcleo de Pesquisa da Escola Judicial do TRT 3ª Região, Rubens Campante.

Foi esse núcleo que desenvolveu o estudo sobre a relação entre os maiores réus do tribunal e o BNDES. Para Rubens, o banco estatal, além de ser um órgão de fomento econômico e financeiro, tem uma função social. “No horizonte normativo do BNDES, deveria haver possibilidades de revisar a política socioambiental presente no estatuto da empresa como meio de desencorajar o descumprimento sistemático da legislação trabalhista brasileira”, afirma.

Por meio de nota, o BNDES informa que possui em todos os seus contratos “a cláusula social, que veta a concessão de recursos para empresas envolvidas em práticas como trabalho análogo ao escravo, trabalho infantil, discriminação de raça e gênero”.

O banco acrescenta que “com base na sua cláusula social, o banco pode punir a prática com vencimento antecipado de contrato (quando o devedor tem de pagar toda a dívida com o BNDES de uma só vez)”.

O banco também exige que a empresa financiada esteja “em dia com as obrigações fiscais, tributárias e sociais”. E, diferentemente da legislação trabalhista, as leis ambientais não podem ser desrespeitadas pela candidata ao financiamento.

Rubens Campante lembra que a política socioambiental do banco passa por uma reavaliação a cada cinco anos e poderia incluir a melhoria. Porém, a última validação da norma aconteceu no início de 2015 e, por isso, só será revista em 2020.

O BNDES diz ainda que “isso não impede que seu conteúdo seja permanentemente aprimorado. O BNDES trabalha de maneira contínua para aperfeiçoar suas práticas socioambientais”, afirma, em nota.

Terceirização é um problema

Entre as empresas com maior número de processos trabalhistas no TRT-MG (3ª Região) algumas têm cinco vezes mais ações contrárias do que número de funcionários. É o caso da Tim, que mantém 464 funcionários, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), e só no ano passado teve 3,71 mil novos processos trabalhistas.

“Essa distorção acontece por causa da terceirização. Muitas dessas empresas terceirizam o trabalho. Também é uma forma de tentar burlar a legislação”, afirma o coordenador do Núcleo de Pesquisa da Escola Judicial do TRT 3ª Região, Rubens Campante. Ele explica que quando o funcionário procura a Justiça, cita tanto a empresa que assinou a carteira como aquela para a qual ele trabalhou.

Banco não dá ajuda a motéis

Na política socioambiental do BNDES não tem nada que impeça, ou pelo menos desencoraje, as empresas a desrespeitar as leis trabalhistas do país. Mas, por uma decisão administrativa do banco, ele não pode oferecer qualquer apoio financeiro aos motéis. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Motéis (Abmotéis), Eusébio Ribeirinha, “a regra não é pertinente e não tem nenhuma justificativa do porquê excluir essa categoria de negócio. Acreditamos que seja um ‘pré-conceito’ e falta de informação acerca do setor que gerou essa distorção”.

Além dos motéis, o banco estatal não financia saunas, termas, comércio de armas, jogos de prognósticos e assemelhados e atividade bancária ou financeira, exceto o apoio ao microcrédito.

O empresário Tiago Cotta Carvalho, do grupo de motéis Sunny Day, com quatro empreendimentos na região metropolitana de Belo Horizonte, diz que a regra “é um absurdo”. “Estamos tentando mudar essa situação de forma que tenhamos os mesmos direitos que os hotéis, até porque muitas vezes nossa estrutura é até mais luxuosa”, diz Carvalho.

Sem resposta

Já o BNDES alegou falta de tempo hábil para responder qual é a motivação para manter essa regra. Segundo a Abmotéis, são 5.000 motéis gerando mais de 250 mil empregos diretos e mais 300 mil indiretos. “Os motéis são negócios lícitos e os maiores consumidores e compradores dos fornecedores da cadeia de hospedagem”, diz Ribeirinha.

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