Capitu é julgada e inocentada em júri simulado por estudantes no Fórum da Capital

  • Assessoria/TJ-MS
Júri simulado foi realizado no Fórum de Campo Grande (Foto: Divulgação/TJ-MS)
Júri simulado foi realizado no Fórum de Campo Grande (Foto: Divulgação/TJ-MS)

No início desta semana, foi levada a julgamento pelo tribunal do júri da Capital a ré Maria Capitolina Santiago, acusada do cometimento do delito estipulado no artigo 279 do Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890, o crime de adultério. A mulher teria mantido relações extraconjugais com Ezequiel de Souza Escobar, melhor amigo de seu esposo Bento de Albuquerque Santiago, até a morte daquele em 1871 por afogamento na praia do Flamengo, Rio de Janeiro.

Para aqueles que ainda não reconheceram o caso, esta é a trama central do célebre livro de Machado de Assis, Dom Casmurro, no qual paira a eterna incerteza sobre a traição ou não de Capitu, cujos “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, mas também “de ressaca”, intrigam os leitores da obra até os dias de hoje.

Na tentativa de dirimir tal dúvida, os alunos das turmas do nono ano do Colégio Harmonia realizaram na manhã da última segunda-feira (28), três júris simulados em que a fidelidade de Capitu foi debatida. Desenvolvidos no plenário do júri do Fórum da comarca de Campo Grande, as sessões de julgamento contaram com juízes de toga, bancada de advogados, comissão de promotores, depoimento de testemunhas e, até mesmo, interrogatório da ré.

Maria Cristina Alves Ferreira Leite, professora de uma das turmas e coordenadora da disciplina de língua portuguesa, contou que o júri da personagem machadiana é o ápice e a conclusão de um projeto desenvolvido ao longo do ano inteiro com os estudantes. “Esta ação do colégio tem como objetivo desenvolver a oralidade, trabalhar com a linguagem e, mais do que isso, aplicar a norma culta, os conteúdos gramaticais dados em sala de aula na prática, na vivência. É um trabalho que envolve várias frentes, entre elas literatura, argumentação e oralidade”, explanou.

Indagada sobre a realização nas dependências do Fórum, a professora foi enfática ao dizer o quanto essa parceria com o Poder Judiciário favorece o aprendizado dos alunos. “Se eu perguntasse para eles onde prefeririam fazer, aqui ou na escola, com certeza diriam no plenário, pois é o ambiente característico. Isso dá a eles uma noção do quanto seu papel é importante, da seriedade do trabalho, do que devem fazer. Além de que somos sempre muito bem acolhidos e assessorados pelo Tribunal, que fornece todo o aparato, desde o espaço, até microfones, sala de testemunhas, ou seja, todo o necessário para um julgamento real”.

O empenho dos alunos é visível pelo cuidado despendido em vários detalhes, como na confecção de trajes típicos do direito e característicos da época, bem como na reprodução exata do compromisso prestado pelo conselho de sentença composto para dar seu veredicto do caso.

O jovem Rafael Seixas de Albuquerque, 15 anos, foi um dos três estudantes que desempenhou o papel de juiz. “Desde criança sempre achei muito interessante o trabalho do juiz de lidar com as partes, conseguir encontrar a verdade e resolver o caso, e estar hoje sentado nessa cadeira, observando tudo ocorrendo e conduzindo um julgamento, é uma sensação muito boa”, relatou.

O mesmo sentimento é partilhado com a “juíza” que presidiu a segunda sessão do júri de Capitu, a adolescente Larissa Mota Sampaio, de 14 anos. “Meu sonho é me tornar uma juíza, então essa experiência é muito boa. Acho que esse projeto vale muito a pena até para me ajudar a ter certeza de que é isso que eu quero para a minha vida”.

Rafael contou igualmente tudo o que fez para se preparar para o ofício de juiz. “Minha família não tem ninguém na área do direito. Então vi vários vídeos de como seriam julgamentos e estudei bastante. Além disso, nós viemos aqui no começo do ano assistir a um julgamento real e foi um momento muito esclarecedor para mim”.

Já a aluna Maria Eduarda Guimarães Damiani, de 14 anos, foi uma das que representou o papel de Capitu. Questionada sobre a sensação de estar no banco dos réus, a estudante disse entre risos: “eu nunca imaginei que sentaria aqui”. A jovem, no entanto, reconhece os ganhos de assumir essa posição ficticiamente. “Eu achei muito interessante, pois comecei a pensar que muitas pessoas podem ter sentado aqui tendo sido acusadas injustamente. Então faz a gente querer defender com unhas e dentes o que acredita ser a verdade”.

“Não é só porque eu sou a Capitu, mas eu acredito na inocência dela”, complementou ela com bom humor. “E lendo o livro você verifica que, para os parâmetros modernos, o Bentinho era louco e a Capitu vivia um relacionamento abusivo. Então é muito interessante representar essa personagem, mesmo esperando nunca mais sentar nesse banco dos réus”.

A diretora-geral da escola Harmonia, Regina Helena de Souza Campos Martins, também acompanhou o júri simulado dos estudantes e falou sobre a importância deste. “A dimensão desse projeto na vida dos estudantes é muito grande. Nós temos um número enorme de alunos que escolheram a carreira jurídica em função dele. Temos, portanto, muito orgulho do trabalho, pois proporcionamos a eles vivenciar o direito de uma forma tão potente, tão significativa, a ponto deles poderem conhecer melhor a carreira e saber se é isso que realmente desejam como profissão”.

Importante ressaltar que a presença dos alunos está consonante com uma portaria publicada em maio do ano passado pelos dois juízes titulares das varas do Tribunal do Júri de Campo Grande. No documento, os magistrados regulamentaram o uso dos Plenários do Tribunal do Júri como extensão de suas salas de audiências e como locais de realização de audiências coletivas com estudantes.

Quanto à personagem, talvez, mais enigmática da literatura brasileira, sua inocência foi declarada ao final das três sessões de julgamento, seguindo sua reputação incólume, ao menos para esses estudantes.

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