Quando a Austrália decidiu enterrar seus aviões aposentados

Tratados por entusiastas como locais sagrados, “cemitérios de aviões” são o último destino de muitas aeronaves civis e militares ao terminarem suas carreiras. Normalmente instalados em regiões secas e isoladas, como o famoso depósito nos Estados Unidos no deserto de Sonora, esses ambientes são propícios para a preservação de “defuntos” aeronáuticos, enquanto aguardam seu momento de “escrapeamento”, quando são definitivamente desmontados (ou picados, se preferir), ou então uma rara chance de voltar a voar ou ser preservado.
A Força Aérea Real da Austrália (RAAF), porém, levou o conceito de cemitério ao pé da letra. Novembro de 2011 foi um mês de cortar os corações de entusiastas da aviação no país dos cangurus. Buscando economizar recursos, a RAAF optou por literalmente enterrar toda uma frota de bombardeiros F-111, aeronaves que haviam sido desativadas dois anos antes. Na época, essa solução era mais barata do que picar os aviões e vender seus restos como sucata.
A RAAF enterrou 23 unidades do bombardeiro supersônico com asas de geometria variável, processo que levou três dias para ser concluído. O serviço foi realizado pela mineradora australiana Thiess, no aterro de Swanbank, no estado de Queensland, um local já explorado pela mineração e conhecido por não ter absolutamente nada, além de terra.
Na preparação para o “funeral”, as aeronaves tiveram seus motores e itens eletrônicos extirpados e suas asas cortadas. Esse processo foi necessário para evitar qualquer chance de reaproveitamento dos aviões, fosse pela Austrália ou por qualquer outra pessoa ou instituição. Além disso, a eliminação dos F-111 era uma exigência dos Estados Unidos, de onde foram importados, prescrita desde o contrato de compra.
As aeronaves foram colocadas lado a lado em duas fileiras e enormes retroescavadoras assumiram o papel de “coveiros”, cobrindo os antigos bombardeiros com uma mistura de terra e borracha. Outra precaução foi marcar as coordenadas do “jazigo coletivo” dos F-111, cuidado que a Lockheed Martin não teve quando enterrou os protótipos do Have Blue (avião demonstrador de tecnologia furtiva), no complexo da Base Aérea de Nellis, nos EUA – o Iraque também já enterrou aviões de combate, mas no intuito de escondê-los dos EUA, que os encontrou em 2003.
O Iraque também enterrou caças MiG-25, mas para escondê-los dos EUA (USAF)
Apesar do grande número de aeronaves enterradas, a RAAF preservou outras tantas. Ao todo, 12 modelos que serviram no país foram preservados em museus ou na forma de monumentos. Ao todo, a Austrália operou 43 unidades do F-111, sendo que oito deles foram perdidos em acidentes.
F-111 na Austrália
A RAAF foi o único operador estrangeiro do F-111 “Aardwark” (nome inglês para o orictéropo, ou “porco formigueiro”). A primeira unidade da aeronave, desenvolvida pela fabricante norte-americana General Dynamics, chegou ao país em 1964 e o último esquadrão foi desativado em 2009. Em 45 anos de serviços, a Austrália nunca utilizou seus bombardeiros em combate, ao contrário dos EUA, que aplicou o modelo em diversas ocasiões de combate real entre o final da década de 1960 até os anos 1990, marcando presença na Guerra do Vietnã e do Golfo.
Hoje já aposentados na Austrália e EUA, o F-111 podia voar a mais de 2.600 km/h; até hoje é um dos aviões produzidos em série mais rápidos da história (RAAF)
Por ser um avião complexo de operar e com altíssimos custos de manutenção, a compra dos F-111 sempre foi questionada na Austrália, um país que não almejava projeção militar e portanto não precisava de um bombardeiro estratégico. Tratado como elefante branco, a aeronave foi apelidada no país como “Flying Opera House”, em referência ao suntuoso Teatro de Sidney, cuja construção foi mais barata que a aquisição das aeronaves…