Mulheres recrutadas por grupos são muito mais do que apenas noivas

  • Agência O Globo
As adolescentes britânicas Amira Abase, Kadiza Sultana e Shamima Begum, no Aeroporto Gatwick (Reprodução)
As adolescentes britânicas Amira Abase, Kadiza Sultana e Shamima Begum, no Aeroporto Gatwick (Reprodução)

No dia 17 de fevereiro, câmeras de vigilância do aeroporto de Gatwick, em Londres, capturaram imagens de Amira Abase, Shamima Begum e Khadiza Sultana pouco antes do voo. As três jovens, com idade entre 15 e 16 anos, embarcavam em direção a Istambul antes de se unir ao Estado Islâmico, na Síria.

Elas fazem parte de um total de 550 jovens e mulheres ocidentais que aderiram ao grupo, número sem precedentes segundo estudo divulgado ontem pelo Centro de Estudo de Radicalização do Kings College. O documento intitulado "Até que o martírio nos separe" mostra, no entanto, que a ideia de jovens querendo principalmente ser noivas de jihadistas é simplista e atrapalha os esforços para evitar a radicalização de outras.

O desejo de pertencer a uma irmandade com mulheres de ideias semelhantes e o descontentamento com a forma como os muçulmanos são tratados em seus países são algumas das razões que aumentam a participação feminina na jihad, revela o relatório das pesquisadoras Erin Saltman e Melanie Smith.

"Elas não estão sendo levadas a sério", afirma Melanie. "É extremamente perigoso rotular as pessoas".

A riqueza do material arquivado em redes sociais - foram mais de cem perfis femininos analisados - indica ainda que a realidade em territórios ocupados pelo EI não corresponde à propaganda romantizada on-line. Se elas se casam imediatamente, frequentemente perdem seus maridos pouco tempo depois (a hashtag #ninguémligaparaasviúvas é uma das mais utilizadas).

Muitas se queixam, ainda, sobre as frustrações por terem sido impedidas de participar do combate, além de descreverem com detalhes as agruras da vida numa zona de guerra, com escassez de água e invernos rigorosos. Apesar disso, tem-se conhecimento de apenas duas mulheres que voltaram para seus países de origem: Sterlina Petalo, adolescente holandesa presa ao retornar; e uma britânica de 25 anos, que aguarda acusações formais.

"Essas histórias servem para refutar a ideia de uma sociedade utópica bem integrada, que é tão fortemente enfatizada pela propaganda do EI", diz Melanie.

Mães e guardiãs da ideologia

Segundo o relatório, a propaganda jihadista com foco específico nas mulheres também aumentou. Cada vez mais manifestos são dirigidos especialmente a elas, com a mesma mensagem: são valorizadas não como objetos sexuais, mas como mães para a próxima geração e guardiãs da ideologia do grupo.

Uma das vozes mais notáveis de imigrantes é Shams (apelido utilizado nas redes sociais), que ocupa um papel altamente incomum para uma mulher no território do EI: é médica. Ativa na internet desde o início de 2014, quando se uniu ao grupo, ela criou uma página no Facebook, várias contas no Twitter e no Tumblr - o último usado como um diário pessoal para documentar suas experiências.

Num dos posts, ela elogia o sistema médico durante a gravidez - "tive o melhor tratamento antes, durante e após o parto, como em qualquer outro país desenvolvido" - e reitera o apelo do autoproclamado califa al-Baghdadi em busca de pessoas qualificadas, "como médicos, engenheiros e advogados".

Shams também oferece conselhos sobre como as mulheres podem obter formação médica dentro do território, na "universidade" que teria sido estabelecida em Raqqa, capital do EI. Sua verdadeira identidade é desconhecida, mas ela dá pistas: é originária da Malásia, tem 27 anos, e antes de ir para a Síria teria vivido no Reino Unido por um tempo prolongado.

"Conforme o tempo passa, meus pais começam a compreender que eu nunca vou voltar. Que Alá os ajude a suportar a dor causada por mim", escreveu.

Outro exemplo é o das gêmeas Salma e Zahara Halane, de Manchester, que entraram na Síria em julho de 2014, com 16 anos. Apesar de terem sido criadas numa família extremamente muçulmana, não aparentavam problemas de sociabilidade na escola e foram descritas como "extremamente inteligentes".

Depois que chegaram à Síria, no entanto, mostraram forte poder de recrutamento via Twitter e Instagram - principalmente Zahara - com mensagens constantes de ódio pela sociedade ocidental. Salma, por sua vez, é uma espécie de conselheira amorosa para potenciais migrantes, respondendo dúvidas e questionamentos noutra plataforma na internet. As duas casaram-se, mas logo ficaram viúvas e mostraram-se ainda mais radicais no recrutamento on-line.

Ontem, uma das três estudantes fez contato com seus familiares pela primeira vez, mais de três meses depois de ter desaparecido. Por telefone, ela disse que estão bem de saúde e seguras. Para a frustração da família, no entanto, indicou que o trio não pretende voltar para casa tão cedo.

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