Creche André Luiz celebra 38 anos com história marcada por amor e dedicação

Primeira creche de Dourados é fruto da generosidade de Dona Josephina Fernandes Capilé e de seu esposo Flamarion Capilé (in memorian)

Dona Josephina cuida das crianças como se fossem netos dela (Foto: Eliel Oliveira)
Dona Josephina cuida das crianças como se fossem netos dela (Foto: Eliel Oliveira)

Pioneira no atendimento para crianças de famílias carentes em Dourados, a Creche André Luiz celebra nesta quinta-feira (27) seu aniversário de 38 anos. Fruto da generosidade de Dona Josephina Fernandes Capilé e de seu esposo Flamarion Capilé (in memorian), o espaço localizado na Rua Wlademiro do Amaral, número 225, na Vila Amaral, garante atendimento para quase 300 crianças em idade pré-escolar durante período integral, das 7h às 17h. Ali, todos são tratados como netos da amorosa senhora que idealizou e colocou em prática esse projeto com a ajuda de muita gente. 

Inaugurada no dia 27 de dezembro de 1980, a Creche André Luiz foi um presente dado ao município uma semana após o aniversário de 45 de emancipação político-administrativa. Trata-se de uma obra que nasceu da vida marcada pela doação ao próximo de Josephina, uma valente senhora, hoje com 82 anos, que todas as manhãs recebe no portão de entrada as crianças, uma por uma, com afago amoroso.

De Corumbá, mas douradense

Natural de Corumbá, onde lecionou por 10 anos, ela chegou a Dourados em 1974, aos 38 anos de idade, seis anos antes de enfim conseguir pôr em prática um sonho que carregava desde a infância. Acompanhada do esposo Flamarion Capilé e da filha Katié Capilé Meloto (nome atual de casada), à época com 14 anos, deixou sua cidade natal para ajudar a cuidar dos pais de seu esposo, Manoel Capilé Neto e Corina Silveira Capilé, membros de uma das mais tradicionais famílias douradenses. “Hoje me considero mais douradense do que corumbaense”, garante com a mais absoluta segurança.

Em Dourados, a miséria na qual viviam muitas famílias preocupou dona Josephina. “Fiquei preocupada com as crianças porque elas passavam fome”, justifica, com olhar profundo de quem parece ter muito viva na memória aquela situação degradante. Diante dessa situação, seo Flamarion e dona Josephina reuniram um grupo de amigos com o propósito de servir as sopas.

Todos os anos a Creche André Luiz forma turmas com crianças em idade pré-escolar alfabetizadas e prontas para o futuro (Foto: André Bento/Arquivo)
Todos os anos a Creche André Luiz forma turmas com crianças em idade pré-escolar alfabetizadas e prontas para o futuro (Foto: André Bento/Arquivo)

Sopão dos Capilé

O tempo transcorrido desde então dificulta o trabalho da memória, mas Katié, a filha de dona Josephina, ainda consegue se lembrar de nomes como o do Doutor Moacir, de seo Onildo, dona Zilda e seo Zé da Mata, além de Roseli e Roselinda.

Eles saíam pelo comércio local pedindo as doações que fossem possíveis para engrossar o caldo da sopa. E todos os sábados a pequena casa de madeira onde moravam os Capilé, na Rua Quintino Bocaiúva, próxima da antiga rodoviária, era palco de um verdadeiro grande evento local. Ali o sopão começou a ser servido. Era tudo bastante improvisado, mas as condições nem tão adequadas eram compensadas pela extrema boa vontade dos envolvidos no trabalho voluntário.

Num primeiro momento, quem comia aquela sopa, seja no quintal da casa dos Capilé ou nos panelões transportados na Ford Pampa de Seo Flamarion, eram as crianças; aquelas que dona Josephina sempre via vagando ociosas pelas ruas do bairro. Mas não demorou até que as mães desses pequenos passassem a frequentar o local. O sopão dos Capilé alimentou muita gente em Dourados. “Lembro de muitas mulheres que levavam marmita para casa, para que os familiares que ficaram pudessem comer também”, pontua dona Josephina.

Sonho de infância

Como o sopão dos Capilé tornou-se um grande evento local, passou a chamar a atenção de muita gente, inclusive pessoas que o destino tornaria fundamentais na história da Creche André Luiz, naquela época apenas um sonho adormecido que dona Josephina carregava desde a infância em Corumbá.

Lembra dona Josephina que num daqueles sábados de casa cheia, já no final de 1979, houve uma visita inesperada. Dona Adiles do Amaral Torres, pessoa distinta e conhecida de família tradicional da cidade, proprietária do Jornal O Progresso, ficou impressionada com a movimentação ao passar em frente ao local onde moravam os Capilé. Ela estava a caminho da rodoviária, à época localizada na Rua Quintino Bocaiúva, e diante daquela intensa movimentação ficou curiosa. Por isso decidiu entrar para conversar com a dona da residência e tentar entender o que acontecia ali.

Visita inesperada

Creche André Luiz foi construída em terreno doado por dona Adiles (Foto: Divulgação)
Creche André Luiz foi construída em terreno doado por dona Adiles (Foto: Divulgação)

Por causa do tempo transcorrido desde essa ocasião, as versões sobre essa visita variam entre as protagonistas da história. Katié, filha de dona Josephina, afirma que era um dia chuvoso, daqueles em que tudo ficava ainda mais difícil para servir as sopas. “Chegou um dia, estava chovendo muito, dona Adiles foi levar alguém na rodoviária, que era vizinha, e viu aquele movimento. Ela foi até lá para saber o que estava acontecendo e ficou sabendo que a gente dava a sopa todo sábado”, explica.

Dona Josephina detalha ainda mais essa passagem. “Ela me chamou para perguntar o que estava acontecendo, o motivo de tanta movimentação, e ficou impressionada como eu, com aparentemente pouco a oferecer, fazia tudo aquilo. Então ela logo se colocou à disposição para ajudar”, descreve.

Já dona Adiles não guarda tantos detalhes dessa ocasião, mas reconhece ter ficado curiosa ao ver o intenso movimento naquela pequena residência. “Eu vi aquilo lá e perguntei. Então me disseram que era tudo doação, de graça. Eu fiquei bem emocionada em ver o trabalho deles, a dedicação. Acho muito bacana a pessoa que tem bom coração”, comenta.

Diante daquele exemplo de doação ao próximo, dona Adiles do Amaral afirma ter ficado emocionada e motivada a contribuir com o trabalho social desenvolvido por Josephina e Flamarion. “Eu me emocionei com o trabalho deles e acabei doando o terreno. Esse terreno eu herdei do meu marido, Weimar Torres, porque ele comprou um lugar bem grande lá, onde é hoje a Vila Amaral”, informa, pontuando sentir-se feliz por ter dado o que considera “uma mãozinha mínima” para o projeto dos Capilé.

Doação

A ideia inicial era que o espaço fosse destinado à construção de um barracão onde a sopa poderia ser servida ao maior número de pessoas possível e em melhores condições do que no quintal da pequena casa da Rua Quintino Bocaiúva. Mas dona Josephina pensou em algo a mais: construir ali a primeira creche de Dourados. “Toda vida eu tive vontade de trabalhar com crianças”, ressalta, pontuando a própria infância como fator motivacional.

Com a promessa da doação do terreno feita por dona Adiles em dezembro de 1979, a determinada corumbaense não perdeu tempo e já no mês seguinte, em janeiro de 1980, a procurou para cobrar o espaço prometido. Foi então informada de que poderia escolher o que preferisse. Com essa garantia, dona Josephina se dirigiu até o local onde estavam os terrenos indicados, na Vila Amaral, à época uma região completamente diferente da que pode-se observar atualmente, repleta de residências e densamente povoada.

“Eu vim até aqui, era tudo um deserto, e comecei a olhar. Tinha vários terrenos. Eu olhei o 19, mas não gostei. Continuei observando e decidi optar pelo 18”, relembra dona Josephina, sentada na sala de onde vê tudo que acontece na creche por meio de um amplo sistema de monitoramento por vídeo. Apesar desse recurso, ela não fica parada; prefere estar sempre perto das crianças de que cuida.

Muito trabalho

Crianças atendidas na Creche André Luiz tratam dona Josephina como avó (Foto: Eliel Oliveira)
Crianças atendidas na Creche André Luiz tratam dona Josephina como avó (Foto: Eliel Oliveira)

Mesmo sem poder contar com apoio do poder público, que não dispunha de recursos para ajudar na obra, o casal Capilé foi adiante. “Começou a maratona de promoções e mais promoções”, relata Katié, a filha de dona Josephina. Nessa época, o casal Capilé juntou os dotes culinários à criatividade e passou a vender feijoada onde funcionava a sede do Clube Social, ao lado do Banco do Brasil, na Rua Joaquim Teixeira Alves. “Era tanta feijoada que tinha dia que eu falava: ‘mamãe nós vamos cair dentro dos panelões de feijão’”, recorda Katié. “Desde o primeiro tijolinho aqui foi com muito sacrifício”.

Além do incansável empenho dos Capilé, toda a sociedade douradense ajudou muito com doações diversas para a edificação da primeira creche da cidade. “Todos os tijolos quem nos doou foi o seo Roberto Razuk. Nós tivemos o Rotary que doou as telhas. Eles saíram uma manhã pedindo no comércio e conseguiram. Nós tivemos muita ajuda. Toda a sociedade douradense ajudou, uns davam cal, outros cimento, areia. Conseguimos fazer a primeira crechede Dourados com a ajuda da sociedade douradense, que também está de parabéns”, destaca dona Josephina.

Até o Corpo de Bombeiros foi requisitado e não recusou ajuda. A corporação militar foi responsável pela colocação das telhas. “Nós chamamos os bombeiros porque não tínhamos muito dinheiro e eles ajudaram”, pontua dona Josephina.

A obra de então incluída somente a área onde hoje fica a sala de dona Josephina e alguns outros cômodos. O projeto foi executado por um arquiteto cedido pela Prefeitura de Dourados na época. O objetivo era inaugurar tudo no dia 20 de dezembro, no aniversário de comemoração aos 45 anos de emancipação político-administrativa do município. A intenção era mais do que justa, mesmo porque aquilo tudo era um considerável presente para a população douradense.

Ney Matogrosso

No entanto, antes do fim dos trabalhos, quando faltava praticamente só o acabamento da obra e o mobiliário, houve uma contribuição inesperada. “Quando a obra já estava quase pronta uma conhecida minha lembrou que conhecia o Ney Matogrosso, que na época estava no auge da carreira e decidimos pedir ajuda a ele”, menciona. “Quando ele soube que era para construção de uma creche, propôs realizar um show com renda destinada a este fim”, comenta dona Josephina.

Mesmo com a disposição do renomado artista em ajudar, não foi fácil para os Capilé. Em Dourados não foi possível realizar o show de Ney Matogrosso porque nenhum lugar em condições de promover um espetáculo daquele porte estava disposto a ceder parte da renda da bilheteria. Essa situação contrariava o artista, que condicionava sua apresentação na cidade à destinação exclusiva da arrecadação das bilheterias para a obra da Creche André Luiz. Esse empecilho parecia insuperável, segundo dona Josephina.

Passado algum tempo, porém, quando a valente corumbaense já havia praticamente perdido as esperanças de contar com a ajuda do famoso artista sul-mato-grossense natural de Bela Vista, uma ligação inesperada mudou o rumo da história novamente. “Quando eu falei para ele que não daria para sair o show porque ninguém queria ceder a metade da renda, ele disse: ‘quem disse que não vai ter show. Eu vou escolher o local’”, relembra dona Josephina, demonstrando imenso orgulho e gratidão pela inesperada ajuda recebida. “O Ney Matogrosso me ligou e disse para eu ir a Bauru, em São Paulo, porque já tinha escolhido o local da apresentação e ia fazer o show no Sesc de lá para arrecadar fundos para a construção da creche”, menciona.

Show em Bauru

Com tudo pago pelo artista, dona Josephina, a filha Katié e a amiga que havia proposto o pedido de ajuda a Ney Matogrosso embarcaram num ônibus que partiu de Dourados para Campo Grande. Na capital sul-mato-grossense, elas pegaram um trem que atravessou a fronteira com o Estado de São Paulo e chegou em Bauru. “Lá em Bauru todo mundo só falava sobre o show destinado à construção de uma creche. Parecia até que a creche seria construída lá”, lembra dona Josephina.

Aquele show movimentou a cidade de Bauru e o salão do Sesc (Serviço Social do Comércio) da cidade ficou completamente lotado, como lembra dona Josephina. O público compareceu aos milhares para assistir a sempre marcante performance de Ney Matogrosso. E as surpresas não pararam por aí. Ao fim da apresentação, o artista chamou por dona Josephina, sua filha e sua amiga, no camarim. Lá estava um gerente de banco requisitado por ele justamente para ajudar na contabilidade do dinheiro e posteriormente na transferência do montante para uma agência bancária de Dourados.

“O Ney Matogrosso me perguntou ‘quantas crianças nós – ele se incluiu - vamos atender’”, detalha. A resposta de dona Josephina não satisfez o artista, que tinha em mente ajudar o maior número possível de famílias. “Eu disse que seriam de 70 a 80 crianças, mas ele falou que a primeira creche de Dourados não poderia atender só isso”, comenta.

A alternativa para elevar a quantidade de crianças atendidas logo surgiu. “Ele me perguntou se havia terrenos ao lado do local onde a creche seria construída e quando eu respondi que sim ele tirou dinheiro do próprio bolso, me deu e me orientou a comprá-los”, revela dona Josephina.

De volta a Dourados e com o dinheiro doado por Ney Matogrosso já na conta bancária que ela havia indicado, foi a vez de dona Josephina retribuir uma visita que recebera meses antes na pequena casa da Rua Quintino Bocaiúva. Ela procurou por dona Adiles do Amaral para tratar da compra de um terreno vizinho ao que havia ganhado. O objetivo agora era ampliar a estrutura àquela altura já quase pronta. “Ela me olhou sorrindo como quem pergunta: ‘se não teve dinheiro para comprar o primeiro terreno, de onde tirou para a compra do segundo?’”, diz dona Josephina, ciente de que surpreendeu com a visita e a proposta feitas.

Presente para Dourados

Dona Adiles, no entanto, afirma que aquela surpresa lhe trouxe ainda mais alegria, porque pôde observar que o projeto do casal Capilé já começava a colher os frutos da credibilidade conquistada com muito suor e dedicação ao próximo. “Ela comprou o terreno do lado e eu achei bacana. Temos que valorizar quem merece”, diz, ainda hoje uma grande admiradora da obra de dona Josephina. “Acho o trabalho dela muito bom, muito elogiável. Quase 300 crianças não é mole. Pagar as meninas que trabalham e a alimentação, tudo sai muito caro. E você pode ir lá qualquer hora que tudo é bem arrumado, é limpo, é muito bem organizado. Ela merece muitos elogios”, ressalta.

Com parte do recurso obtido pela doação de Ney Matogrosso, dona Josephina comprou o terreno ao lado do que havia ganhado de dona Adiles. E com o restante do dinheiro deu andamento à edificação de mais salas de aula, ampliando aquela estrutura que já estava praticamente pronta. Ali a Creche André Luiz começou a ganhar forma e estava cada vez mais próxima de tornar-se uma realidade.

Os trabalhos caminhavam bem e tudo indicava que o cronograma da obra seria concluído a tempo de inaugurar a creche no aniversário de 45 anos da emancipação político administrativa de Dourados, no dia 20 de dezembro de 1980. Contudo, o clima chuvoso daquele final de ano impedia que o piso do prédio fosse assentado em tempo hábil para que a creche fosse inaugurada na data prevista. Isso forçou o adiamento dos planos e a inauguração da CrecheAndré Luiz ocorreu somente uma semana após o previsto, no dia 27 de dezembro de 1980. E as aulas tiveram início em fevereiro de 1981.


Comentários
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  • Francisca santo Alencar

    Francisca santo Alencar

    Parabéns.meu filho ficou na creche e foi muito bem cuidado.eu sou grata por essa mulher.
    Guerreira.
    Nome do meu filho Paulo Sérgio Santos de Alencar o meu Francisca dos Santos alencar.que Deus abençoe a senhora dona Josephina e Kátia..