Janeiro Branco: não é preciso esperar o adoecimento para dar atenção à saúde mental

Psicóloga do HU-UFGD fala sobre a importância da criação de uma cultura da saúde mental, tema central do movimento Janeiro Branco, que tem mobilizado profissionais de saúde de todo o Brasil

  • Assessoria/HU-UFGD
Psicóloga Francyelle Marques de Lima, profissional do HU-UFGD (Foto: Divulgação)
Psicóloga Francyelle Marques de Lima, profissional do HU-UFGD (Foto: Divulgação)

Repleto de simbolismos, o início de um ano é época propícia para se fazer um balanço do período anterior, com vistas ao planejamento do que está pela frente. É comum que sejam analisados os resultados do ano passado e traçadas as metas para o novo ciclo. No entanto, quais categorias de objetivos as pessoas geralmente pretendem alcançar?

Emagrecer, trocar de carro, comprar uma casa, complementar a formação. Tópicos promissores e positivos, mas que visam atingir ou criar meios para alcançar apenas satisfações físicas e materiais. Dificilmente, dentro desse planejamento, estão desejos e expectativas voltados ao subjetivo, às emoções, aos sentimentos, aos comportamentos e à melhoria dos relacionamentos.

Diante disso, em 2014, foi criado o movimento Janeiro Branco, iniciativa que pretende chamar as pessoas a usarem o simbolismo do Ano Novo para pensar em suas saúdes mentais. Idealizada pelo psicólogo brasileiro Leonardo Abrahão, a campanha é um convite para a autorreflexão sobre o sentido e o propósito da vida, a qualidade dos relacionamentos interpessoais e o autoconhecimento.

De acordo com a metodologia do movimento, os temas do amplo espectro que é a saúde mental, precisam ser colocados em máxima evidência no mundo, em nome da prevenção ao adoecimento emocional.

Para falar mais sobre como as pessoas podem trabalhar a autoanálise, criando, aos poucos, uma cultura da saúde mental, a psicóloga do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD) e especialista em Saúde Pública, Francyelle Marques de Lima, é a entrevistada do mês. Ela alerta para a alta taxa de depressão e ansiedade registradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no Brasil: a maior da América Latina.

De acordo com a profissional, que há três anos e meio atua na Unidade de Terapia Intensiva do hospital, é importante que a sociedade compreenda a necessidade de se estabelecer o hábito de cuidar da saúde mental, assim como se cuida da saúde física, de forma preventiva. "Não é preciso esperar a doença se instalar para buscar um profissional. O ideal é que se identifique antecipadamente uma situação de risco e se procure ajuda", destaca.

Confira a entrevista completa, realizada pela Unidade de Comunicação Social do HU-UFGD:

UCS/HU-UFGD - Um dos princípios do movimento Janeiro Branco é expor a subjetividade da qual são formados os seres humanos, pois, de acordo com a campanha, o que não é resolvido na mente, o corpo transforma em doença. De que forma os descuidos com a saúde mental vem, cada vez mais, vitimando a sociedade?

Francyelle - De todas as formas. O resultado do estado da nossa saúde mental é evidenciado em todos os âmbitos de nossas vidas. Os adoecimentos físicos e psíquicos representam números assustadores e se tornaram graves problemas de saúde pública. A OMS divulgou recentemente uma pesquisa que analisou o estado da saúde mental no mundo, sendo que o Brasil tem a taxa mais alta do continente latino-americano no que se refere à depressão e à ansiedade. E isso não representa apenas dados, representa milhares de vidas perdidas e milhares de pessoas em sofrimento e precisando de ajuda.

UCS/HU-UFGD - O mês de janeiro foi escolhido como período-chave da campanha por se tratar do primeiro mês de um novo ciclo, carregado de simbolismos e características culturais que proporcionam uma maior reflexão acerca de condições existenciais, novos projetos e disposições para a vida. Sob a ótica do movimento, para além das realizações físicas e materiais planejadas por cada um, que outros questionamentos devem ser feitos para uma verdadeira autoanálise? Como conectar-se a si mesmo, aproveitando o momento de desaceleração proposto pelo início do ano?

Francyelle - Questionar-se, sair do automático e refletir é imprescindível para que tenhamos uma boa saúde mental. E, por vezes, isso dói. Uma verdadeira autoanálise leva a mudanças e mudanças necessitam de coragem e vivacidade para acontecer. Existem questionamentos básicos - e muito profundos - que podem ajudar a iniciar uma autoanálise, como por exemplo: Qual o sentido e o propósito da minha vida? E o quanto eu conheço sobre mim mesmo? A conexão entre nossos propósitos e nossas ações é que nos torna fortes e saudáveis para enfrentar e lidar com as mazelas do mundo e da vida.

UCS/HU-UFGD - Em que momento ou situação é importante ampliar o cuidado para além da autorreflexão, buscando o auxílio de um profissional de Psicologia? Como tomar a decisão pela psicoterapia?

Francyelle - Não é preciso esperar a doença se instalar para buscar um profissional. O ideal é que se identifique antecipadamente uma situação de risco e se procure ajuda. A psicoterapia contribui não só com a prevenção e a cura de agravos de saúde, como também traz mais qualidade de vida para as pessoas que realizam o atendimento. Na dúvida, procure um profissional e esclareça os questionamentos. Só não subjugue e banalize o cuidado com a saúde mental.

UCS/HU-UFGD - Apesar de ter avançado largamente nos últimos anos, com maior difusão do assunto e melhoria das formas de acesso a tratamentos, a cultura da saúde mental ainda é bastante subdesenvolvida, em vista dos altos índices de depressão, suicídio, transtornos causados por estresse, traumas e ansiedade, entre outros fatores. Que caminhos ainda precisam ser percorridos para que sejam derrubados os tabus e os preconceitos e se fale de problemas subjetivos assim como se trata a saúde física?

Francyelle - Falta esclarecimento e, muitas vezes, falta humanidade para respeitar e reconhecer a dor do outro. O preconceito e a banalização com que o tema tem sido tratado, nos faz perder vidas. É preciso que a sociedade compreenda isso e que pressione o poder público para mais investimentos em saúde mental, pois estamos pagando um preço muito alto por esse desamparo. Além disso, é necessário desenvolver, aprofundar e disseminar a psicoeducação em todos os âmbitos da sociedade.

UCS/ HU-UFGD - Qual é o papel dos profissionais que se relacionam com a saúde mental nesse processo? Como devem atuar psicólogos, psiquiatras e outros profissionais da saúde, em micro ou macro escala, para despertar na sociedade a importância de se falar sobre o subjetivo, as emoções e os sentimentos? ​

Francyelle - Precisamos desenvolver uma cultura da saúde mental para, então, conquistarmos políticas públicas para a área. É necessário falar, provocar as pessoas no que se refere ao subjetivo e no que temos de eminentemente humano. Esse movimento tem que partir de nós, profissionais de saúde mental. É um compromisso que temos com a sociedade e com a nossa ciência. Temos que lutar pela inserção da categoria nas instituições de saúde, escolas, empresas, órgãos do judiciário, etc. e lá levantarmos a nossa bandeira e trabalharmos para que seja desenvolvida uma sólida cultura de saúde mental.

Comentários
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  • regina

    regina

    otima profissional