Reintegração de posse em fazenda ocupada por índios gera atrito entre juiz federal e PF

Magistrado diz que vai investigar crime de desobediência praticado por federais que não atendem sua ordem há pelo menos 14 meses

Fazenda ocupada por índios em 2008 já deveria ter passado por reintegração de posse, mas ordem judicial não é... (Lunae Parracho / Reuters/Reuters)
Fazenda ocupada por índios em 2008 já deveria ter passado por reintegração de posse, mas ordem judicial não é... (Lunae Parracho / Reuters/Reuters)

Expedido há 14 meses, o mandado de reintegração de posse da Fazenda Serrana, em Dourados, motivou um atrito entre o juiz que o expediu e a Delegacia de Polícia Federal. Ocupada por índios desde 2008, a propriedade arrendada para a Usina São Fernando só não foi devolvida ao fazendeiro porque as autoridades policiais recusam-se a cumprir a ordem judicial de retirar os guarani-kaiowá que formam a comunidade Curral de Arame.

Esse acampamento, denominado Apy Ka'y, chegou a ser destaque em publicação do jornal inglês The Guardian no dia 18 de maio. Uma semana depois, o juiz Fábio Kaiut Nunes, que atua em substituição na 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados, reafirmou o mandando de reintegração de posse que segue em aberto há aproximadamente 14 meses.

A ordem judicial, contudo, nunca foi cumprida porque as forças policiais requisitadas recusaram-se a atuar nesse caso. No início deste mês, o magistrado chegou a solicitar ao Ministro da Justiça o envio de tropas da Força Nacional de Segurança para retirar os indígenas da fazenda. No entanto, até hoje não houve qualquer mudança na situação.

Num despacho divulgado na terça-feira (14), o juiz federal negou pedidos de suspensão da ordem de reintegração de posse feitos por representantes da comunidade Curral de Arame. Mas o magistrado foi além e mesmo à espera da Força Nacional de Segurança que requisitou para o cumprimento da ordem, teceu duras críticas à PF, a quem classificou como desobediente e reafirmou a ordem para ser cumprida em 15 dias, sob pena de apuração do crime de prevaricação.

Ao indeferir o pedido de suspensão da reintegração de posse da fazenda, pontuou que já se passaram “aproximadamente 14 (quatorze) meses sem o cumprimento da ordem deste Juízo Federal” e lembrou que “a Delegacia da Polícia Federal de Dourados/MS não empreendeu ou demonstrou a adoção de medidas concretas para efetivação da decisão judicial de reintegração de posse, demonstrando inaceitável recalcitrância [desobediência] no cumprimento da presente ordem”.

“[...] considerando que a ordem foi inicialmente dirigida à Polícia Federal, que tem atribuição constitucional de fazer cumprir a ordem de reintegração de posse deste Juízo, bem como com fundamento na informação do Coronel da Polícia Militar, de que a Polícia Militar atua, nesse caso, em apoio ao trabalho organizado pela Polícia Federal, determino a expedição de MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, a ser cumprido na forma organizada pela Polícia Federal, com o auxílio da Polícia Militar, no prazo improrrogável de 15 dias, sob pena de apuração da prática de CRIME DE PREVARICAÇÃO por parte dos agentes públicos federais incumbidos de tal mister”, determinou o juiz federal.

O magistrado mencionou ainda o recente ataque sofrido pelos guarani-kaiowá da Aldeia Te'ikue, em Caarapó, quando um índio morreu e seis ficaram feridos por disparos de arma de fogo enquanto ocupavam a Fazenda Yvu, reivindicada como território tradicional pelos indígenas.

“A inércia do Poder Público pode fomentar o início de novas ocupações pelas Comunidades Indígenas, além de incentivar os proprietários rurais a se valerem do desforço imediato, por vezes se valendo da prática de atos de violência. O panorama que se revela a partir da análise de todo o processado, é de absoluto desprestígio às instituições constituídas, descrença na tutela jurisdicional em seu aspecto material e, pior, aumento da tensão nas questões indígenas, quando o objetivo era exatamente o oposto”, pondera.

Segundo o juiz federal, ao requisitar a Polícia Federal para o cumprimento da ordem, o objetivo é justamente preservar todos os lados envolvidos no litígio fundiário. “O cumprimento da reintegração de forma pacífica e, se possível, com o auxílio de todos os entes público envolvidos, inclusive com o deslocamento protetivo dos índios, é salutar. No entanto, já decorreu tempo mais que suficiente para adoção das medidas instituídas no ato infralegal precitado”.

Essa mesma propriedade rural já foi alvo de um mandado de reintegração de posse expedido em 2012 pela Justiça Federal de Dourados. Também nesse caso as autoridades policiais não atenderam à determinação do magistrado. 

*Matéria editada para acréscimo de informações.

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