Procuradora é condenada por esperar fim de semana para cumprir ordem judicial
Recebido numa sexta-feira, mandado previa o envio de médico para avaliar criança internada com traumatismo craniano em Dourados, mas a paciente morreu

A procuradora municipal Lourdes Peres Benaduce foi condenada pela Justiça por improbidade administrativa. Ela foi acusada pelo MPE-MS (Ministério Público Estadual) de esperar o fim de semana para dar andamento à ordem judicial recebida numa sexta-feira estabelecendo 24 horas para a Prefeitura de Dourados enviar neurocirurgião que deveria avaliar criança internada com traumatismo craniano. A paciente morreu.
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Proferida na quarta-feira (24) pelo juiz José Domingues Filho, titular da 6ª Vara Cível da Comarca, a sentença determina “perda da função pública de Procuradora-Geral, eis que não pode retomá-la, suspensão dos direitos políticos por quatro anos, e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Ela ainda terá que responder pelas custas, todavia, sem imposição de honorários, pois impróprios ao Parquet”.
Em 24 de abril de 2018, quando protocolizou a Ação Civil de Improbidade Administrativa número 0900056-65.2018.8.12.0002, o promotor de Justiça Ricardo Rotunno pediu em caráter liminar (urgente e provisório) o afastamento da procuradora-geral do município do cargo e por fim, o julgamento da ação condenando a servidora à perda da função pública e ao pagamento de multa R$ 2.074.700,00, montante correspondente ao valor de cem vezes a remuneração percebida por ela à época dos fatos. (clique aqui para ler mais)
No entanto, o juiz pontuou que “considerando a natureza e a gravidade da infração cometida, pois desaguou na perda de uma chance num caso muito difícil da medicina dizer se havia possibilidade de salvar a vida de uma criança em estado grave, mais o fato de ter deixado de ser Procuradora-Geral, é razoável e proporcional a aplicação da pena de não voltar à essa função, somada às penas de suspensão dos direitos políticos e de proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais, ou creditícios, direta ou indiretamente. Isso porque são suficientes para a reprimenda do ato ímprobo, garantindo-se assim o restabelecimento da ordem jurídica”.
Além disso o magistrado deixou de aplicar-lhe a multa, “porquanto pode incidir isolada ou cumulativamente (LIA,art.12,caput) e a penalidade dantes evidenciada revela proporcionalidade e adequação para reprimir e prevenir a prática de atos de improbidade administrativa, como in casu”.
Servidora pública efetiva desde o dia 16 de setembro de 2010, Lourdes Peres Benaduce deixou a Procuradoria-Geral do Município no final de maio de 2018. Publicado no Diário Oficial do dia 29 daquele mês, o Decreto nº 1.050 de 29 de maio de 2018, assinado pela prefeita Délia Razuk, informou apenas que “fica revogada, a pedido, a designação constante do Decreto nº 01 de 1º de janeiro de 2017 que designa a Procuradora Geral do Município”. Atualmente, ela atua na Procuradoria de Execução Fiscal e Tributária.
Quando apresentou sua defesa à Justiça, ela afirmou que “está cada dia mais difícil exercer cargo público de direção (especialmente no Poder Executivo), ingressar na política ou contratar com o Poder Público”. “Os que se propõem a olvidar as dificuldades, acabam por descobrir não ser tarefa fácil preservar o direito à honra, à vida privada e à imagem impoluta”, argumentou na defesa protocolizada em 28 de maio. (relembre)
Na denúncia, o MPE afirma que na condição de Procuradora Geral do Município de Dourados, Lourdes Peres Benaduce recebeu ordem judicial que determinava o envio urgente, em 24 horas, de neurocirurgião ao HU, às 19h10 do dia 26 de maio, mas “manteve-se inerte durante 02 (dois) dias, somente adotando providências, em que pese inefetivas, após tal período”.
Moradora em Amambai, criança havia sido atendida inicialmente no Hospital da Vida, mas precisou ser transferida ao Hospital Universitário em razão da gravidade do caso, onde foi atendida por especialista da área de neuropediatria que solicitou avaliação neurocirúrgica, o que foi negado administrativamente pelo Município de Dourados, segundo o promotor.
Além de frisar que “a menor já tinha seu leito de UTI garantido e, portanto, precisava que tão somente um profissional neurocirurgião se deslocasse ao local para efetuar sua avaliação, o que foi negado, dando ensejo à provocação do Judiciário”, o MPE pontuou que “nem ao menos a determinação judicial favorável foi suficiente para compelir o Município de Dourados a fornecer o atendimento reclamado, resultando no óbito da infante, retardando-se com o descumprimento citado o atendimento adequado indicado para o caso”.
Na sentença, o juiz pontua que “inexiste cumprimento da decisão judicial questionada, quer em uma ou em três oportunidades”, e que “o quadro clínico da criança clamava pronto atendimento médico para que tivesse nova chance de vida”.
Além de apontar que a demandada representava o Município “quando pessoalmente citada e intimada para cumprir a decisão”, o magistrado diz que ela, voluntariamente recebeu e assinou a comunicação processual por outrem, justificando agora incompetência funcional para cumprir a ordem que a notificação e intimações decorrentes da decisão judicial.
Para o julgador, “a improbidade administrativa imputada respectivo dolo eventual patenteia-se, posto que deixou de concretizar o ato judicial valendo-se de comunicação extra-oficial, quando, efetivamente, devia promover oficialmente a ordem no prazo judicial assinado”. “Provado o dolo eventual, inexistiu imputação de conduta improba com desprezo ao dogma da presunção de boa-fé; e assim instala-se a possibilidade de responsabilização da ré por improbidade”, finalizou o titular da 6ª Vara Cível.
Como a condenação é em 1ª instância, cabe recurso. Na 2ª Câmara Cível do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), o desembargador Alexandre Bastos, relator, chegou a determinar a suspensão do processo no dia 22 de abril, quando acatou o Agravo de Instrumento número 1404548-15.2019.8.12.0000, ainda em trâmite, sem julgamento do mérito por parte do colegiado.