Em 1ª entrevista após acidente, esquiadora Lais Souza mostra esperança

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A esquiadora Lais Souza falou pela primeira vez sobre o acidente que sofreu em Utah, durante os treinos para sua participação nos Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi. A entrevista foi para o programa dominical “Fantástico”, da TV Globo. A brasileira se mostrou calma durante as respostas e esperançosa em poder voltar a andar.

“Todo dia, quando eu deito na minha cama, eu peço que eu quero andar”, disse Lais.

Lais Souza, defendeu o Brasil em duas Olimpíadas como ginasta. Em 2012, ela resolveu mudar de modalidade e se dedicar a um novo projeto do Comitê Olímpico Brasileiro, o Esqui Estilo Livre.

Fantástico: Você já teve um dia de pegar e lembrar tudo?

Lais: Não.

Fantástico: Podemos fazer isso agora?

Lais: Vamos fazer.

Fantástico: Como foi o dia do acidente? Você acordou, foi esquiar, você lembra?

Lais: Lembro, lembro, isso eu lembro. Nosso técnico marcou um treino de esqui.

Foi no dia 27 de janeiro. Lais se preparava para as Olimpíadas de Inverno, realizada em Sochi, na Rússia, em fevereiro. No Esqui Estilo Livre, o atleta desce por uma rampa, salta, faz suas acrobacias, aterrissa em alta velocidade, e precisa frear.

Fantástico: E esse treinamento era pra treinar freadas mais bruscas?

Lais: Velocidade e freio.

Fantástico: Pegar velocidade e frear bruscamente.

Lais: Exato.

Fantástico: Em que momento aconteceu o acidente?

Lais: Foi o seguinte. Foi um momento que eu tava numa velocidade grande, bem grande. E eu fui de lado tipo pra dar uma freada mesmo. Então, eu freei e lembro disso assim. Depois disso, eu não lembro de mais nada.

O acidente foi numa pista cercada de árvores, e não teve testemunhas. O que se sabe é que Lais teve um choque violento com a cabeça. No choque, houve um deslocamento entre a terceira e a quarta vértebras, que esmagou a medula de maneira gravíssima. Neste momento, a Lais perdeu toda a sensibilidade do pescoço para baixo.

A medula da Lais estava gravemente ferida. Houve isquemia, ou seja, o sangue parou de chegar à medula. A medula ficou muito inchada. O edema se estendia para baixo da lesão e também para cima, quase chegando à base do cérebro.

Lais: Eu tenho cenas assim. Logo acho que depois que eu caí, eu lembro meu técnico me chamando. Tipo com uma voz meio desesperada, chorando, ofegante. Eu desmaiava, não sei. No helicóptero eu lembro, o barulho assim...

Fantástico: Tudo em flashes.

Lais: É, em flashes.

Fantástico: E depois do helicóptero?

Lais: Depois do helicóptero, só a UTI.

Foi feita uma cirurgia para realinhar a coluna e reativar o fluxo sanguíneo pra medula. O doutor Antonio Marttos foi chamado pelo Comitê Olímpico Brasileiro para acompanhar a Lais.

Dr. Marttos: Quando chegamos lá, na primeira hora, conversei com o médico cirurgião, com a médica intensivista, todo mundo que atendeu, nós vimos a gravidade da lesão.

Dr. Marttos: A estatística era contra a gente. Dia após dia, semana após semana, ela tinha evoluções positivas que realmente surpreendiam a nós.

Uma semana depois, ela foi transferida para Miami, pra ser atendida no hospital Jackson Memorial com o apoio da Universidade de Miami, referência no tratamento de lesões na coluna.

A traqueostomia, o buraquinho feito na garganta pra facilitar a respiração, e a sonda de alimentação poderiam ser pra vida toda. Lais se livrou delas rapidamente.

Lais: Estou comendo de tudo. De tudo mesmo. Comi picanha nesses tempos.

Imaginava-se que a Lais ia precisar de um marca-passo no diafragma, um ventilador mecânico para respirar por toda a vida. Três semanas depois do acidente, ela tava respirando sozinha.

Lais: Para tirar o ventilador, eu cantei muito.

A ideia foi da Denise. Fisioterapeuta e amiga de muitos anos, que veio ajudar a Lais assim que soube do acidente.

Denise: Eu falei pra ela, vamos cantar. Porque é um jeito, você tentar cantar junto com o cantor e ir ganhando expansão pulmonar. E nesse dia, botei uma música que ela gostava, ela começou a dançar, brincar e eu engatei com ela cinco horas cantando. No final das contas ela estava com 100% de oxigênio e respirando sozinha.

Respirando e se alimentando normalmente, a Lais segue com a fisioterapia. Numa, eletrodos dão pequenos choques, provocando a movimentação dos músculos.

Lais: Eu tenho um momento de tristeza, eu vivo ele, encaro ele, choro. Nem todo momento eu sou forte, choro pra caramba. Tem que ter, né? Dá energia você voltar, pensar, refletir. É a punhalada que você leva pra continuar.

Fantástico: Nessa lista de conquistas diárias da Lais, o próximo passo é ela ficar em pé na cadeira de rodas. O que falta pra ela conseguir isso?

Marttos: Falta ela conseguir adequar o corpo dela à mudança pra manter a pressão arterial.

Fantástico: Quando ela fica em pé a pressão cai?

Marttos: Ainda cai um pouquinho, mas ela tá muito próxima, ela faz exercícios diários pra isso e está muito próxima de conseguir mais essa conquista.

Só quando a medula desinchar totalmente, a Lais vai saber como será a vida dela. É o que explica o fundador do projeto Miami para a cura da paralisia.

Dr. Green: A medula ainda está inflamada, ainda está ferida, então ela tem o potencial de se recuperar naturalmente.

Denise: Ela começou a sentir o dedo. Comecei a dar agulhada, ela "ai".

A previsão do neurocirurgião é de que nas próximas semanas a Lais comece a terapia com células-tronco.

Dr. Green: As regiões atingidas na medula, aqui em cima, agem como um ímã. Elas atraem as células-tronco para acelerar o processo de recuperação.

Lais: O que tiver que fazer a gente está aí, vamos tentar.

Fantástico: Você já pensou na possibilidade de a sua recuperação não ser exatamente como você sonha?

Lais: Já.

Fantástico: E quando você pensa nisso o que você pensa do futuro?

Lais: Dá um pouco de medo.

Dr Green: O que eu sei de pacientes com a paixão e a determinação da Lais é que eles acabam sendo bem-sucedidos na vida, usem ou não uma cadeira de rodas.

Lais: Eu penso na solução do problema. O que eu posso fazer pra melhorar. Já que eu não posso mudar isso, o que eu posso fazer pra melhorar. Estou lá me matando pra mexer aquele músculo.